"Em toda a infância houve um jardim. Isto é coisa de poetas."

Augustina Bessa-Luís

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Hoje ajudamos uma rolinha...

... a não morrer sozinha.

A caminho da escola, encontrei uma rola caída junto à berma da estrada. Saí do carro para perceber o que se passava e a rola bateu as asas mas não conseguiu voar e facilmente se deixou apanhar. Embrulhada num tecido, viajou até ao JI. Aparentemente não parecia ter nada partido, mas percebemos que ela não estaria bem. Talvez tenha batido num carro ou num muro quando voava e tenha ficado caída na estrada.  
Deixá-la na estrada não era a solução, pois poderia ser atropelada por um carro, ou ser apanhada por um gato ou um cão dos vizinhos. 
Tivemos a esperança de que se cuidássemos dela, talvez ela recuperasse. Por isso, arranjamos-lhe um cesto que colocamos em cima da mesa "debaixo" dos raios de sol que entrava pela janela. Algumas crianças até fizeram desenhos para lhe decorar o cesto.


No final da manhã a nossa esperança aumentou. Mas poucos minutos depois das crianças terem saído da sala, a rola pousou a cabeça e os seus olhos começaram a fechar. Eu e a dona Elvira acariciamos as suas penas, mas percebemos que ela estava a morrer. A dona Elvira tinha-se oferecido para a levar para casa no fim-de-semana e por isso havia duas hipóteses: ou dizermos às crianças que a dona Elvira a tinha levado na hora de almoço, ou então esperar que elas voltassem do almoço e percebessem o que tinha acontecido. Optei pela segunda hipótese.

(Antes de sair da sala, o Rodrigo tinha-me prevenido para não a deixar ao sol, para ela não correr o risco de morrer como a lagartinha. Expliquei-lhe que ela era mais forte que a lagartinha e que o sol, ao contrário do dia em que a lagartinha morreu, não estava tão forte assim. 
A lagartinha de que o Roodrigo falava, era aquela que tínhamos encontrado nas fisális que o Leandro trouxe há uns tempos e que colocamos num frasco junto à janela. Na manhã seguinte, passamos a manhã a ver os nossos vizinhos a fazerem silagem e, quando chegamos à sala, percebemos que a lagartinha, dentro do frasco, não tinha resistido ao calor. 
Aproveitamos para lembrar os perigos de deixarmos animais fechados dentro do carro, ou noutros lugares, expostos ao sol. Nesse dia o Rodrigo lembrou-se de uma notícia de um bebé, que tinha morrido, porque tinha ficado esquecido dentro do carro, com as janelas fechadas e ao sol.)

No regresso à sala, a Margarida e o seu primo João foram logo ver a rola e perceberam que ela já não estava viva. Expliquei o que lhe tinha acontecido e falamos na hipótese de ela ter tido um acidente, em que embateu com a cabeça em algum sítio duro. Mesmo sabendo que a rola não poderia usar capacete, daí para a importância de usar capacete quando andamos de bicicleta, foi um pulinho. 
Várias crianças falaram sobre a morte dos seus animais de estimação, ou de outros animais que já encontraram mortos na rua. O Rodrigo até já tinha visto um senhor que morreu num acidente na estrada. As crianças falaram sobre estas questões sem "medos", nem demonstraram repugnância pela presença da rola, agora já sem vida.
E agora o que fazer? O Leandro achou que nos devíamos despedir dela e enterrá-la foi uma solução consensual. Houve até crianças que se ofereceram para enterrá-la nos terrenos da casa delas, mas optamos por fazê-lo debaixo de uma árvore do nosso Caminho.
(Também aprendemos que não se devem colocar animais mortos nos contentores do lixo. Uma prática não tão rara assim.)


Enquanto o grupo das crianças mais velhas discutiam a logística do momento, as mais novas, estavam mais interessadas noutras questões.


Quando pegaram na rola, já embrulhada num pano, as crianças perceberam que ela estava fria e dura. Falamos nas alterações que o corpo sofre (seja de animais, seja de pessoas), depois que o coração pára. 


Quando chegamos ao local escolhido, fizemos uma cova, junto a uma árvore, com a pá que tínhamos levado e aproveitamos para falar dos profissionais que trabalham nos cemitérios e que se chamam, coveiros.

Havendo crianças que já tinham assistido a funerais, falamos também do comportamento de respeito que as pessoas devem ter nestes momentos.



As crianças quiserem sinalizar o local da sepultura da rolinha e colocaram-lhe bugalhos e flores que apanharam entre as ervas.  

E foi também de entre as ervas, que as crianças escolheram flores para trazerem consigo e oferecerem à mãe, à avó ou ao pai.



Só aprendendo a lidar com a morte, poderemos saber aproveitar a vida...

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