Todos
nós temos um temperamento que nos caracteriza como indivíduos. Este
temperamento origina comportamentos que poderão ser reflexo de fatores educacionais/ambientais,
ou não.
Quando
se trabalha com crianças é necessário encontrar dinâmicas que possam promover comportamentos
que contribuam para o bem-estar do grupo.
Sendo
um grupo com um número de crianças facilitador da gestão e articulação entre o
trabalho de grupo e o trabalho individual, senti, durante o 1º Período,
dificuldades em encontrar o equilíbrio entre os diversos fatores que contribuem
para um ambiente facilitador de aprendizagens. A faixa etária de metade do
grupo (3 anos) e a gestão de alguns comportamentos não dependentes de fatores
ambientais, podem ter contribuído para esta dificuldade. Mas eu sentia que não
era apenas isso. No início da tarde, hora a que habitualmente escolhemos um
livro para ler em grande grupo, algumas crianças entravam num estado de “adormecimento”.
Percebi que os conflitos entre as crianças surgiam, especialmente, após a hora
de almoço, com birras “por tudo e por nada”. Alertada também por uma
preocupação que algumas mães das crianças que frequentam o Prolongamento de Horário
partilharam comigo, relativamente à dificuldade que têm em manter as crianças
acordadas na hora do jantar, refleti sobre o que precisariam realmente as crianças
neste momento no Jardim de Infância.
Precisam
elas, constantemente, de situações pedagogicamente apelativas para a construção
do conhecimento, independentemente de estarem, ou não, fisicamente predispostas
para isso, ou necessitam “apenas” que, durante alguns momentos do dia, o seu
corpo relaxe e repouse?
Como
profissional de educação (e penso que não estou sozinha nesta questão) julgo
que o mundo em que a criança vive, está constantemente a “acelerá-la”. Os
adultos que a rodeiam “aceleram-na” também (por vezes, incluindo nós, profissionais de educação).
Muitas crianças levantam-se muito cedo
e passam na escola mais tempo do que os adultos passam no emprego. E se não
passam tanto tempo na escola, quando de lá saem vão a “correr” para outra qualquer atividade. Poucas serão as que,
quando saem do JI, têm o privilégio de simplesmente lanchar, dormir uma
sesta e passar o resto do seu tempo a BRINCAR até à hora do jantar.
Questionadas
sobre as necessidades do nosso corpo, as crianças disseram que "o
nosso corpo precisa de comida, de roupas e calçado, de protetor solar e chapéus
quando estamos ao Sol, de se lavar, de correr, de pinchar… e de descansar…”
Num destes dias de chuva fizemos uma experiência e preparamos um “Ninho de
Sonhos”. Um sítio onde se pode sonhar de olhos abertos, ou fechados.
Com alguns
colchões que fomos buscar à sala do ATL, as nossas almofadas e umas mantas,
construímos um “ninho” onde todos nos aconchegamos. Descalçamos os sapatos, baixamos
a intensidade da luz e subimos ligeiramente o som da música “Voices of Confort”…
Depois de alguns pulos nos colchões, sem sapatos, estávamos prontos para nos
deitarmos, relaxarmos e… começar a sonhar. Em cerca de quinze minutos, oito das
doze crianças, optaram por sonhar de olhos fechados…as restantes quatro, após
este tempo, continuaram a sonhar de olhos abertos e de sapatos calçados, entre
os espaços livres da sala.
No
dia seguinte construímos de novo o ninho e neste dia apenas duas crianças resistiram
a sonhar de olhos fechados.
Neste
dia havia já sido marcada uma "Reunião de Pais". Com todas as mães presentes,
conversamos sobre esta questão. “Sonhar” iria fazer parte da nossa rotina
durante este período…fazê-lo de olhos abertos ou fechados, dependeria apenas da
vontade das crianças…
Para
isso, nos dias seguintes algumas crianças começaram a trazer a sua mantinha,
para juntar à sua almofada. Algumas crianças trouxeram os seus cobertores de
quando eram bebés, outras trouxeram mantas com os seus super-heróis, outras
trouxeram mantas a combinar com a sua almofada…e até chegaram duas mantas
iguais. A Margarida (5 anos), preocupada com esta questão, tratou logo de identificar
a sua, para não haver confusão.
A
Rita e o André até trouxeram uns amigos…a Rita trouxe a sua gata Flor e o André
um ursinho que tinha sido um brinquedo da sua mãe quando era pequenina.
Mas
desengane-se quem pensa que neste “Ninho de Sonhos” não se promovem momentos
apelativos de aprendizagem, aliados aos momentos de relaxamento e descanso do
corpo. Umas aprendizagens já se estão a adquirir e outras já se começam a
construir.
As crianças organizam-se entre si e
organizam o espaço. No início eram seis colchões num ninho só. Para o
transformarmos em dois ninhos de igual tamanho, foi necessário dividir o número
de colchões. É necessário conhecer os nomes escritos nas almofadas para as
distribuir e fazer-lhes corresponder os respetivos cobertores. Nesta
distribuição de almofadas podemos fazer várias combinações de números sem nunca
alterar a sua quantidade. Seis almofadas podem originar várias “somas” e a
descoberta dos “números amigos” do seis. Os sapatos arrumam-se aos pares e
ordenadamente. As crianças entreajudam-se e responsabilizam-se pelos seus pertences.
E como temos um pedaço de céu por cima da nossa escola, decidimos construir também um pedaço de céu por cima do nosso "Ninho de Sonhos"...
Mas este pedaço de céu, ao contrário daquele que podemos ver durante o dia, tem estrelas (de cartão com enfiamentos), nuvens (de esferovite) e uma lua (de pano).
Segundo a Lara, há várias luas...mas para quem ainda não sabe, um destes dias vai aprender que só há uma lua, mas que por vezes faz "caretas" por causa do sol. Quando as nuvens deixarem, vamos espreitar o céu à noite e perceber que careta está a fazer a lua, para que no nosso pedaço de céu, dentro da sala, a "cara dê com a careta".
As crianças escutam a leitura de uma
história de uma forma mais “concentrada”, e ouvem estilos de música a que não
estão acostumadas. Já ouvimos música “relaxante”, música clássica e fado…e
outras músicas já estão também à espera de serem ouvidas.
As crianças que “sonham”
durante menos tempo, enquanto os seus amigos continuam nos seus “sonhos”,
brincam livremente… mas estão a aprender a fazê-lo de uma forma mais tranquila
e silenciosa
E este momento não ajuda apenas a relaxar
e a descansar o corpo. Dá também uma ajuda a algumas mães que, passando todo o dia no
trabalho, à noite podem ter o prazer de partilhar o jantar com o seu filho
acordado e bem-disposto. E também ajudou um rapazinho a perceber que afinal já
nem precisava da chupeta para dormir, pois conseguia “sonhar” sem ela…
A criação deste tempo no período da tarde,
cedo nos fez perceber que teríamos de reorganizar os nossos tempos durante o
período da manhã. Como logo de manhãzinha começamos por contar/mostrar as
nossas novidades e isso nos ocupa quase até à hora do lanche, pois muitas vezes, estas
novidades levam-nos até novas aprendizagens (não planificadas), optámos por intercalar esse
período mais formal e fazê-lo dia sim, dia não. (É claro que todos os dias se poderão contar ou mostrar novidades, mas vamos dedicar-lhes menos tempo às terças e às quintas-feiras.)
Para evitar confusões, a
Margarida propôs que fizéssemos um “xis” nos dias que “não contamos as
novidades”.
E venham daí mais sonhos :-)
Nota: Se não tivesse viajado para França, o João é que havia de gostar destes "ninhos". Já o ano passado ele construía o seu próprio ninho... e muitas vezes sonhou rodeado pelas brincadeiras dos seus amigos....
Beijinhos João... Beijinhos Leonor... Vamos sempre sonhar com o nosso reencontro...
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