"Em toda a infância houve um jardim. Isto é coisa de poetas."

Augustina Bessa-Luís

domingo, 20 de janeiro de 2013

O ninho dos nossos sonhos...

Todos nós temos um temperamento que nos caracteriza como indivíduos. Este temperamento origina comportamentos que poderão ser reflexo de fatores educacionais/ambientais, ou não.
Quando se trabalha com crianças é necessário encontrar dinâmicas que possam promover comportamentos que contribuam para o bem-estar do grupo.  

Sendo um grupo com um número de crianças facilitador da gestão e articulação entre o trabalho de grupo e o trabalho individual, senti, durante o 1º Período, dificuldades em encontrar o equilíbrio entre os diversos fatores que contribuem para um ambiente facilitador de aprendizagens. A faixa etária de metade do grupo (3 anos) e a gestão de alguns comportamentos não dependentes de fatores ambientais, podem ter contribuído para esta dificuldade. Mas eu sentia que não era apenas isso. No início da tarde, hora a que habitualmente escolhemos um livro para ler em grande grupo, algumas crianças entravam num estado de “adormecimento”. Percebi que os conflitos entre as crianças surgiam, especialmente, após a hora de almoço, com birras “por tudo e por nada”. Alertada também por uma preocupação que algumas mães das crianças que frequentam o Prolongamento de Horário partilharam comigo, relativamente à dificuldade que têm em manter as crianças acordadas na hora do jantar, refleti sobre o que precisariam realmente as crianças neste momento no Jardim de Infância.
Precisam elas, constantemente, de situações pedagogicamente apelativas para a construção do conhecimento, independentemente de estarem, ou não, fisicamente predispostas para isso, ou necessitam “apenas” que, durante alguns momentos do dia, o seu corpo relaxe e repouse?  
Como profissional de educação (e penso que não estou sozinha nesta questão) julgo que o mundo em que a criança vive, está constantemente a “acelerá-la”. Os adultos que a rodeiam “aceleram-na” também (por vezes, incluindo nós, profissionais de educação).
Muitas crianças levantam-se muito cedo e passam na escola mais tempo do que os adultos passam no emprego. E se não passam tanto tempo na escola, quando de lá saem vão a “correr” para outra qualquer atividade. Poucas serão as que, quando saem do JI, têm o privilégio de simplesmente lanchar, dormir uma sesta e passar o resto do seu tempo a BRINCAR até à hora do jantar.
Questionadas sobre as necessidades do nosso corpo, as crianças disseram que "o nosso corpo precisa de comida, de roupas e calçado, de protetor solar e chapéus quando estamos ao Sol, de se lavar, de correr, de pinchar… e de descansar…”
Num destes dias de chuva fizemos uma experiência e preparamos um “Ninho de Sonhos”. Um sítio onde se pode sonhar de olhos abertos, ou fechados.
Com alguns colchões que fomos buscar à sala do ATL, as nossas almofadas e umas mantas, construímos um “ninho” onde todos nos aconchegamos. Descalçamos os sapatos, baixamos a intensidade da luz e subimos ligeiramente o som da música “Voices of Confort”…
Depois de alguns pulos nos colchões, sem sapatos, estávamos prontos para nos deitarmos, relaxarmos e… começar a sonhar. Em cerca de quinze minutos, oito das doze crianças, optaram por sonhar de olhos fechados…as restantes quatro, após este tempo, continuaram a sonhar de olhos abertos e de sapatos calçados, entre os espaços livres da sala.

 
No dia seguinte construímos de novo o ninho e neste dia apenas duas crianças resistiram a sonhar de olhos fechados.
Neste dia havia já sido marcada uma "Reunião de Pais". Com todas as mães presentes, conversamos sobre esta questão. “Sonhar” iria fazer parte da nossa rotina durante este período…fazê-lo de olhos abertos ou fechados, dependeria apenas da vontade das crianças…
Para isso, nos dias seguintes algumas crianças começaram a trazer a sua mantinha, para juntar à sua almofada. Algumas crianças trouxeram os seus cobertores de quando eram bebés, outras trouxeram mantas com os seus super-heróis, outras trouxeram mantas a combinar com a sua almofada…e até chegaram duas mantas iguais. A Margarida (5 anos), preocupada com esta questão, tratou logo de identificar a sua, para não haver confusão.

A Rita e o André até trouxeram uns amigos…a Rita trouxe a sua gata Flor e o André um ursinho que tinha sido um brinquedo da sua mãe quando era pequenina.



Mas desengane-se quem pensa que neste “Ninho de Sonhos” não se promovem momentos apelativos de aprendizagem, aliados aos momentos de relaxamento e descanso do corpo. Umas aprendizagens já se estão a adquirir e outras já se começam a construir.
As crianças organizam-se entre si e organizam o espaço. No início eram seis colchões num ninho só. Para o transformarmos em dois ninhos de igual tamanho, foi necessário dividir o número de colchões. É necessário conhecer os nomes escritos nas almofadas para as distribuir e fazer-lhes corresponder os respetivos cobertores. Nesta distribuição de almofadas podemos fazer várias combinações de números sem nunca alterar a sua quantidade. Seis almofadas podem originar várias “somas” e a descoberta dos “números amigos” do seis. Os sapatos arrumam-se aos pares e ordenadamente. As crianças entreajudam-se e responsabilizam-se pelos seus pertences.

 
E como temos um pedaço de céu por cima da nossa escola, decidimos construir também um pedaço de céu por cima do nosso "Ninho de Sonhos"...
Mas este pedaço de céu, ao contrário daquele que podemos ver durante o dia, tem estrelas (de cartão com enfiamentos), nuvens (de esferovite) e uma lua (de pano).
Segundo a Lara, há várias luas...mas para quem ainda não sabe, um destes dias vai aprender que só há uma lua, mas que por vezes faz "caretas" por causa do sol. Quando as nuvens deixarem, vamos espreitar o céu à noite e perceber que careta está a fazer a lua, para que no nosso pedaço de céu, dentro da sala, a "cara dê com a careta".
 
As crianças escutam a leitura de uma história de uma forma mais “concentrada”, e ouvem estilos de música a que não estão acostumadas. Já ouvimos música “relaxante”, música clássica e fado…e outras músicas já estão também à espera de serem ouvidas.
As crianças que “sonham” durante menos tempo, enquanto os seus amigos continuam nos seus “sonhos”, brincam livremente… mas estão a aprender a fazê-lo de uma forma mais tranquila e silenciosa

E este momento não ajuda apenas a relaxar e a descansar o corpo. Dá também uma ajuda a algumas mães que, passando todo o dia no trabalho, à noite podem ter o prazer de partilhar o jantar com o seu filho acordado e bem-disposto. E também ajudou um rapazinho a perceber que afinal já nem precisava da chupeta para dormir, pois conseguia “sonhar” sem ela…
 
A criação deste tempo no período da tarde, cedo nos fez perceber que teríamos de reorganizar os nossos tempos durante o período da manhã. Como logo de manhãzinha começamos por contar/mostrar as nossas novidades e isso nos ocupa quase até à hora do lanche, pois muitas vezes, estas novidades levam-nos até novas aprendizagens (não planificadas), optámos por intercalar esse período mais formal e fazê-lo dia sim, dia não. (É claro que todos os dias se poderão contar ou mostrar novidades, mas vamos dedicar-lhes menos tempo às terças e às quintas-feiras.)
Para evitar confusões, a Margarida propôs que fizéssemos um “xis” nos dias que “não contamos as novidades”.
 
E venham daí mais sonhos :-)
 
Nota: Se não tivesse viajado para França, o João é que havia de gostar destes "ninhos". Já o ano passado ele construía o seu próprio ninho... e muitas vezes  sonhou rodeado pelas brincadeiras dos seus amigos....
Beijinhos João... Beijinhos Leonor... Vamos sempre sonhar com o nosso reencontro...

Sem comentários:

Enviar um comentário